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Dona Iara é uma senhora muito calma, risonha e alto-astral, bastante ativa na sociedade de Novo Hamburgo. Cresceu em um ambiente de muito carinho, criou um vínculo forte com os irmãos, gostava de coisas de princesa e sonhava em ser diaconisa. Foi professora de música e de piano, gosta de gatos e adora cozinhar. Mesmo tendo restrição alimentar, de vez em quando saboreia um bom pedaço de Martha Rocha. Ouve bolero, músicas clássicas e bandinhas alemãs. Gosta de história, construções antigas, roupas bem alinhadas, joias, ir à Igreja, tomar mate com as amigas e ter a família ao seu redor.
Consegui o Museu Scheffel por uma hora, acompanhada de dois auxiliares muito gentis o tempo todo. Tive o cuidado de chegar adiantada, mas dona Iara já estava lá. Ela mostrou as roupas, as joias e a xícara que trouxe à meu pedido. No jardim, fiz os primeiros cliques, despretensiosamente, enquanto continuávamos conversando.

A luz estava dura, mas usei aquele tempo pra relaxar, a mim e a ela, ao sol, cercadas de verde, procurando enquadramentos lisonjeadores.

Fomos ao espaço interno. Servi chá de capim cidró, sabor de sua preferência. Enquanto preparava, dona Iara me contou das louças e cristaleiras da mãe e reviveu algumas memórias. O chá, em si, não parece ter agradado. Pensei, mais tarde, que seria melhor ter oferecido açúcar. De qualquer forma, o ritual de chá me parece ter funcionado.




Chegamos à sala vermelha, onde ficam estudos e pinturas sacras. A luz do espaço era dura, vindo unicamente de cima, desfigurando as feições e não favorecendo retratos. Os auxiliares sugeriram abrir, por alguns segundos, a janela que fica sempre fechada para preservar as obras. Com este previlégio, registrei Dona Iara sob luz lateral da janela, em frente a um cravo antiquíssimo, e ao gigante estudo do batismo de Cristo, de Ernesto Scheffel.
Um dos auxiliares pode ser visto no reflexo do vidro. Optei em não removê-lo digitalmente. Eles fizeram, realmente, parte desse momento e pensei ser justo preservar a prova de sua participação.


Dona Iara vestiu, segundo ela, um “traje de casamento”: conjunto de musselina marrom e um colar de pérolas. Fomos até o piano de cauda. Perguntei se ela queria tocar. Ela tocou um pouco e foi encantador. As figuras humanas centralizadas na parte superior da imagem abaixo parecem estar respondendo às notas tocadas por dona Iara.



Depois que dona Iara tocou, pedi para que ela se debruçasse ao piano e fiz minha foto favorita do ensaio: A estrutura interna do instrumento aberto, expondo seus desenhos, aparece como um símbolo do revelar de uma intimidade, de deixar-se ver a fundo. Dona Iara apoia-se ao piano como quem encontra os ombros de um velho amigo. O braço direito da senhora aparece como um eixo de simetria entre as linhas da tampa e das entranhas do instrumento. Seu sorriso, satisfeito, ocupa todo o rosto emoldurado pelo piano/amigo. É uma imagem bem equilibrada, agradável e significativa. Com essa foto, percebi o ensaio como concluído.

Houve estimulação de prazeres, afetos e de todos os níveis cerebrais. O roteiro planejado foi executado e os objetivos de proporcionar e registrar uma experiência agradável para dona Iara, foram alcançados. Ela demonstrou gostar de participar do ensaio e elogiou minha calma. Me senti satisfeita, tanto em proporcionar este momento para ela, como pelo resultado fotográfico obtido.
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